14 de julho de 2010

A Umbanda em Guarapari - A História de Maria José

Na decada de 60 surgiu no cenario umbandista uma outra figura que foi tambem de vital importancia para o crescimento da Umbanda Sagrada em Guarapari. Atraves dela varios filhos de fe encontraram o caminho da Espiritualidade e ascenderam um degrau na escala evolutiva das criaturas humanas. Trata-se de Maria Jose´ Coutinho Santos, professora conhecida na cidade que, movida por uma admiravel impetuosidade guerreira, iniciou um trabalho espiritual que a tornou mais conhecida ainda.

Maria Jose´ Coutinho, espiritossantense nascida em Anchieta, cidade vizinha de Guarapari, ficou orfa dos pais aos quinze anos de idade e logo cedo precisou assumir as redeas na educaçao dos seis irmaos mais novos.

Sua vida, cheia de provaçoes e luta pelo bem estar da familia, teve momentos de grande angustia e desespero numa epoca em que os recursos financeiros eram limitados. Grande parte da populaçao encontrava na pesca a sua forma de sobrevivencia.

Ao ver-se debaixo da responsabilidade de cuidar dos irmaos, foi lecionar e, com sacrificios, criou e educou a todos com rigor de pai e amor de mae. Devido `a pesada tarefa que a Providencia lhe outorgou, adquiriu um temperamento forte e decidido. Passou a ser uma mulher que nao se dobrava facilmente diante das ventanias e tempestades que surgiam de repente.
Maria Jose´ Coutinho desempenhava o papel de pai e mae de todos os irmaos - o que lhe deu a alcunha de "Mana", como e´ conhecida ate´ hoje - e ao mesmo tempo labutava na profissao de professora. Alem da caracteristica rigorosa alcançada no trato diario com os irmaos, Maria Jose´ aplicava ainda os ensinamentos cristaos que recebeu em colegio dirigido por freiras catolicas os quais estavam gravados em sua educaçao. Casou-se com o Sr. Otavio dos Santos e continuou no magisterio por muitos anos seguidos. Nesta epoca, o casal morava numa residencia proxima `a fonte que os jesuitas haviam construido no periodo da colonizaçao do Brasil.

Mesmo trabalhando no desenvolvimento intelectual e fisico dos irmaos `a base de muita luta e exercendo sua autoridade, Maria Jose´ Coutinho Santos mantinha o coraçao mole e se derretia de compaixao pelo proximo quando este sofria alguma injustiça. Assim, seu instinto materno aflorava quase que constantemente.

Aconteceu certa vez que uma amiga de infancia, que tambem havia saido de Anchieta em busca de uma vida melhor em Guarapari, foi expulsa da casa de uma cunhada de maneira indigna. A moça, cujo nome era Leonor Maria Gomes, e sua irma Maria da Penha, moravam na casa de um outro irmao que ja´ era casado. Depois de uma discussao, a cunhada de Leonor apanhou suas roupas e de sua irma e lançou na rua expulsando-as da residencia. Ao saber o que se passou com a amiga, Maria Jose´ foi ao seu socorro imediatamente. Diante da situaçao, a "Mana" resolveu traze-la para dentro de sua casa e dar-lhe abrigo.

Maria Jose´ explicou para Leonor que nao tinha condiçoes financeiras de cuidar das duas irmas, mesmo porque o seu marido estava desempregado na epoca. Maria da Penha, portanto, foi morar em casa de outra amiga enquanto Leonor Maria Gomes foi abrigada por Maria Jose´. Leonor ficou sob os cuidados de Maria Jose por muito tempo - ate´ o seu casamento com o pedreiro Placidino Marques - e, nesse periodo trabalhou costurando roupas sob encomenda. Porem, apesar de tragico, aquele incidente foi primordial para o desenrolar da vida espiritual das duas amigas de infancia.

Foi no exercicio do magisterio de Maria Jose´ que a Espiritualidade começou a conduzir a vida da anchietense em direçao a um desfecho benefico para a Religiao de Umbanda.

Maria Jose´, a "Mana", ja´ estava ministrando aulas ha´ dez anos quando, inexperadamente, perdeu a voz em plena sala de aula. Preocupada, buscou socorro atraves de varios medicos que a examinaram e nao conseguiram encontrar o motivo de tal enfermidade. Durante meses, Maria Jose´ permaneceu afonica ate´ que Leonor, sua antiga inquilina, soube que um famoso medium estava visitando o Espirito Santo e realizava curas milagrosas. Leonor sugeriu que a professora fosse ao encontro do medium para uma consulta. Maria Jose´ escreveu num papel que se a coisa fosse relacionada a Espiritos ela nao aceitaria. Apos insistencia da amiga, Maria Jose cedeu e viajou ate´ `a capital onde estava o medium.

No principio dos anos 60, Maria Jose´ encontrou-se com o medium que, em transe, aplicou-lhe um passe e determinou que ja´ estava curada. Maria Jose´ voltou a falar instantaneamente.

Depois desse episodio, a vida de Maria Jose tomou novo rumo. Apesar de toda a educaçao catolica recebida, interessou-se pelo mundo dos Espiritos, algo tao fortemente combatido na epoca. Adquiriu literatura espirita e "encontrou a verdade", conforme suas palavras. Foi nesse periodo que a professora realizou mais uma caridade que teve grande impacto em sua vida.

Sabendo que o Caboclo Sucupira, Espirito que vinha realizando grande trabalho na cidade atraves de Anna Castro Martins, nao tinha um lugar fixo para fazer atendimentos, Maria Jose cedeu a cozinha de sua casa para que Anna pudesse "dar passagem" ao Caboclo. Curiosa, Maria Jose´ ficava observando todas as coisas enquanto o Caboclo trabalhava. As sessoes em casa de Maria Jose´ tornaram-se comuns e mais e mais pessoas buscavam socorro nas consultas com o Caboclo Sucupira. E a professora, entusiasmada e feliz, continuava observando com admiraçao.

Leonor, agora casada e dona de uma pensao no Centro da cidade de Guarapari, apresentou a Maria Jose uma hospede carioca chamada Maria Angelica Brandao, conhecida pela alcunha de "Mae Liquinha".
Vigorosa, e dona de uma voz potente, Mae Liquinha recebeu a incorporaçao do Espirito Pai Joao e passou algumas orientaçoes `a estupefacta Maria Jose´. Disse que sob sua responsabilidade, deveria abrir um Centro de Umbanda, pois nao era bom continuar recebendo Espiritos em casa. Um lugar especifico para isso tinha que ser preparado. Maria Jose´ explicou que nao sabia de tal gravidade, mas que logo providenciaria um outro cantinho para que os Espiritos pudessem fazer a caridade.

Pai Joao entao passou todas as determinaçoes a respeito da vestimenta, das guias, do ritual e da composiçao do corpo mediunico. Maria Jose´ Coutinho participou da corrente tendo como Chefe Espiritual o Caboclo Arranca Toco, que baixava em outro medium do grupo.

Seguindo sempre as orientaçoes do Pai Joao, que vinha de tempos em tempos atraves das muitas vindas da carioca Mae Liquinha a Guarapari, Maria Jose seguia a jornada mediunica preparando-se para ser o grande baluarte da religiao que um dia iria se tornar.

Certo dia, o Pai Joao determinou que Maria Jose fosse `a capital Vitoria e trouxesse uma grande lista de material liturgico que iria precisar. Obediente, a pequena professora assim o fez e, no dia determinado para utilizaçao de todos os objetos, Maria Jose disse que nao podia participar da corrente por nao estar em condiçoes fisicas para isso. Pai Joao indagou-lhe quando estaria pronta e a data foi prorrogada para o dia do aniversario de Maria Jose´.
Proximo `a casa de Maria Jose´, no bairro Ipiranga, havia uma pequena casa de madeira, de sua propriedade, que estava abandonada. Provisoriamente foi escolhida aquela cabana para ser o local onde as Giras deveriam acontecer regularmente.

E, la´ estavam todos reunidos, no dia 20 de março de 1964, conforme determinado anteriormente, quando o Pai Joao manifestou-se e conclamou ao Caboclo Pena Verde, Guia de Maria Jose´, que se fizesse presente no recinto.

Maria Jose´ Coutinho Santos recebeu a incorporaçao do Caboclo e, quando voltou a si, recebeu os parabens e a imediata noticia de que a partir daquele dia seria chamada por todos os mediuns de Mae de Santo do Templo Espirita Caboclo Pena Verde.

A reaçao de Maria Jose foi de completo espanto e medo, pois nao imaginava de forma alguma que tal responsabilidade seria designada para ela, uma simples curiosa da nova religiao espiritualista. Como disse, em entrevista, Maria Jose´ pensou que todo o material ritualistico e aquela preparaçao do que viria a ser um terreiro seria designado para que Anna Castro pudesse trabalhar com o Caboclo Sucupira.

Apesar de todo o espanto, a professora aceitou a missao e resolveu tocar adiante o que a Espiritualidade Maior havia reservado para ela. Assim, de forma simples e nova, Maria Jose´ Coutinho Santos, a catolica educada em colegio de freiras, abraçou definitivamente a nova religiao e deu prosseguimento aos trabalhos espirituais do Templo Espirita Caboclo Pena Verde.

Como e´ comum em se tratando de Umbanda, o inicio da jornada caritativa do Templo Espirita Caboclo Pena Verde nao foi muito facil. Primeiramente vieram as perseguiçoes e acusaçoes contra a propria Maria Jose´. Logo no começo, a nova Chefe de Terreiro recebeu a visita do padre da cidade. Conhecido de todos os moradores, o padre - cujo nome nao convem citar - indagou a Maria Jose´ se ela nao imaginava que estava cometendo um ato pecaminoso contra as leis divinas, pois a Igreja condenava as praticas chamadas na epoca de espiritas (uma alusao ao Espiritismo). Sem ser arrogante, a professora deu respostas `a altura e o padre nao tocou mais no assunto. Concomitantemente, tambem surgiram intrigas e falatorios sobre a atitude de Maria Jose´ em montar um "centro espirita".

Contudo, `a medida que mais pessoas se juntavam ao coro de falastroes, mais o centro ganhava espaço na cidade e mais mediuns se juntavam `a corrente liderada por Maria Jose´. Parentes e amigos que demonstravam alguns sinais de mediunidade se uniam a ela e logo mandavam confeccionar a roupa branca para participar da corrente e desenvolver a mediunidade. Participaram dessa corrente de Maria Jose´ a amiga Leonor Maria Gomes e seu marido Placidino Marques, bem como o ja´ conhecido Huascar Correa Cruz, acompanhado de sua esposa.

Incitados por Huascar, os mediuns e a Mae de Santo Maria Jose´ Coutinho idealizaram entao a construçao de um novo templo. O pequeno barraco de madeira ja´ nao comportava mais as pessoas que buscavam a ajuda da Espiritualidade. Era preciso fazer algo para solucionar o problema. Como Maria Jose´ possuia um grande pedaço de terra ainda sem utilizaçao perto do terreiro de Umbanda, ficou definido que ali deveria ser construida a nova sede do Templo Espirita Caboclo Pena Verde.

Definido o projeto, tiveram entao inicio os trabalhos de construçao do novo templo. Os mediuns se juntaram, cada qual com sua participaçao e sua maneira de ajudar, e em uniao levantaram as paredes do terreiro.

A obra seguiu a passos largos e, finalmente, em 1967 foi inaugurada a Nova Sede do Templo Espirita Caboclo Pena Verde. Uma grande construçao em alvenaria que permanece de pe´ ate´ os dias de hoje. Um grande terreiro cujo altar acompanha a grandiosidade da obra, com um espaço local para assistentes, vestiarios masculinos e femininos, bem como de uma cozinha erguida para utilizaçao apenas das coisas do terreiro, uma sala para oraçao `as Santas Almas, chamada de "Cativeiro" e um terreiro em miniatura para as consultas particulares com a Mae Cambina.

O Templo Espirita Caboclo Pena Verde ganhou notoriedade no municipio, pois estabeleceu-se e ganhou estatura. Tornou-se o maior Centro erguido na cidade, desde entao. A corrente fortaleceu-se e muitos mediuns desenvolveram seus dons no espaço sagrado do Templo.

A visita de outros mediuns e de outros pequenos terreiros eram constantes, principalmente nos dias de Gira Festiva. Nas festas dedicadas aos Orixas, o Templo ficava abarrotado e os atabaques soavam com jubilo. Nas festas da Ibejada, quando balas e doces eram distribuidas, filas enormes se faziam do lado de fora do Templo.

Mediuns masculinos e femininos se desenvolviam, ficavam fortalecidos e trabalhavam na caridade. Uma delas inclusive recebeu a missao de erguer um outro templo umbandista e chefiar sua propria corrente. Foi inclusive a propria Mae Liquinha quem a preparou para tao grande tarefa. Trata-se da amiga de Maria Jose´, a anchietense Leonor Maria.

Outros mais que tambem foram separados pela Espiritualidade Maior para desempenharem a ardua tarefa de dirigirem um grupo de mediuns se desligaram do Templo Pena Verde e abriram portas em outros lugares.

Muitos nao compreendiam a saida desses mediuns e, vez por outra, surgiam comentarios maldosos a respeito dos dissidentes.

A Mae Maria Jose´, por sua vez, acabava sendo alvo de intrigas e fofocas.

O Templo Espirita Caboclo Pena Verde, sob a Chefia de Maria Jose´ procurou guardar todas as orientaçoes dadas pela Mae Liquinha. O ritual de abertura com seus pontos cantados, corimba, saudaçao `as Sete Linhas, saudaçao ao Conga´ (bate-cabeça), cruzamento com o Chefe e danças gestuais continuaram no mesmo ritmo e no mesmo padrao instituido pela Mae de Santo carioca.

Os mediuns sempre obedeceram `a risca o que o Caboclo Pena Verde e o que o Sr. Ogum Beira-Mar determinaram para as Giras. Banhos, resguardos, obrigaçoes, visitas a outros templos, giras festivas, comidas e outros rituais nunca deixaram de passar pelo crivo dos Guias Mentores do Templo.

Permanecendo num continuo padrao, apenas sofreu algumas poucas e necessarias reformas a estrutura do Templo, que durante mais quatro decadas recebeu pinturas e renovaçoes. Durante as decadas que ia se passando, o Conga´ e alguns outros ambientes do Terreiro receberam modificaçoes necessarias e uteis. Mas, a essencia do que se propunha o Templo do Caboclo Pena Verde nao sofreu mudanças.

Uma sala reservada para o Povo Cigano foi especialmente preparada e decorada com tapetes, almofadas, simbolos, imagens e outros apetrechos ciganos. Uma tenda foi erguida dentro da sala, onde, ocasionalmente manifesta-se a Cigana que trabalha no Pena Verde.

Em 1989, uma grande festa foi organizada para comemorar o Jubileu de Prata do Templo Espirita Caboclo Pena Verde. Numa grande Gira festiva que lotou todo o terreiro, os mediuns se reuniram numa so´ voz para entoar o Hino do Pena Verde que foi criado especialmente para as Bodas de Prata.

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