6 de julho de 2010

A Umbanda em Guarapari: A História de Anna


A decada de 50 foi marcante para todo o municipio de Guarapari em varios sentidos. Grande parte da explosao imobiliaria teve inicio nesse periodo, a partir da construçao da ponte Jones dos Santos Neves e do Radium Hotel.
A ponte serviu como ligaçao da cidade aos Municipios de Vila Velha e Vitoria; ja´ o Radium Hotel, construido muito proximo `a Praia da Areia Preta, tornou-se referencia em todo o Estado.
As areias monaziticas, cujas propriedades terapeuticas deram o titulo de Cidade Saude `a Guarapari, foram enormemente divulgadas como uma forma de chamariz a turistas de varias partes do Brasil.
No centro da cidade varios hoteis foram construidos, como os extintos Guara´ Hotel, Thorium Hotel e Hotel Vieira.
A Umbanda tambem sofreu uma grande expansao no mesmo instante em que a cidade crescia rapidamente. Foi a partir da segunda metade dos anos 50 que a religiao umbandista passou a ser conhecida dos moradores e, em varios lugares, mediuns abriram as portas de suas casas para receberem pessoas necessitadas de socorro espiritual. Aqui e ali, timidamente, homens e mulheres corajosos enfrentaram preconceitos e discriminaçoes para ajudar os irmaos que os procuravam em busca de ajuda.
Num daqueles extintos hoteis uma pequena sala anexa serviu de consultorio espiritual e ponto de partida para diversos mediuns que ate´ entao desconheciam seus dons. La´ naquela saleta uma respeitosa senhora chamada Maria atendia muitas pessoas carentes de ajuda e conselhos espirituais.
No Guara´ Hotel, uma Entidade Espiritual chamada Pai Joao aplicava rezas, dava conselhos e curava enfermos atraves de Dona Maria.

Muitos que mais tarde iriam dar grande propulsao `a Umbanda buscaram ajuda na mediunidade de Dona Maria do Hotel Guara´.
Conforme testumunho de pessoas que viveram naquela epoca, Dona Maria era uma senhora negra, muito seria e respeitada, que atendia gratuitamente as pessoas desenganadas por medicos e os desesperados da cidade. Tambem nao fazia alarde de sua mediunidade, mas procurava agir de maneira discreta para nao causar rebuliço entre os moradores, pois todos os que naquela epoca se envolviam com os Espiritos eram mal vistos e tachados de feiticeiros e macumbeiros.
Mas, Dona Maria nao se intimidava com os disse-me-disse e continuava atendendo as pessoas em sua salinha que ficava anexa ao Hotel Guara.
Foi num desses atendimentos particulares que a Dona Maria recebeu a visita de uma jovem senhora assustada chamada Anna Castro Martins.
Anna Castro Martins, mulher simples nascida no dia 11 de outubro de 1920, em Guarapari, foi criada em lar de familia muito catolica, ligada a missas e procissoes. Casada com Othon Martins, que foi delegado da cidade por um tempo, viu-se de repente `as voltas com estranhos acontecimentos que a deixaram preocupada e muito ansiosa. Diante de filhos e parentes mais proximos, Anna Castro era acometida por varias vezes de repentinos desmaios. Anna tambem começou a sofrer alucinaçoes de diversas ordens, o que provocou sustos e medo em todos. Levada perante medicos especialistas, nao obteve respostas aos problemas pelos quais estava passando.

Na epoca, cogitou-se a possibilidade de interna´-la em clinica especializada para tratamento, pois acreditavam que Anna estava sofrendo de algum mal psiquico.
Entretanto, nao era esse o destino que a Espiritualidade estava reservando para Anna Castro Martins.

Aconselhada por um medico que analisou sua situaçao e concluiu que os problemas eram de natureza espiritual, Anna foi ao Guara´ Hotel conversar com a medium Maria. Na consulta com o Pai Joao, Preto Velho que incorporava em Dona Maria, ficou claramente confirmado o diagnostico do medico e, para surpresa de Anna, descobriu-se que ela tambem tinha um dom mediunico que carecia de desenvolvimento e educaçao.
Por essa ocasiao, Anna Castro Martins alimentou uma rotina diaria de escutar o programa espiritualista de Alziro Zarur atraves de um velho radio `a valvula. Ritualisticamente, no mesmo horario, diariamente Anna Castro colocava um copo com agua sobre a mesa e apos as oraçoes proferidas por Alziro Zarur, bebia da agua fluidificada. Anna acreditava que todos os problemas pelos quais estava passando iriam ser resolvidos.
Logo apos os primeiros contatos com o Pai Joao, Anna iniciou uma trajetoria de desenvolvimento mediunico comparecendo `as reunioes realizadas na casa de uma mulher conhecida pela alcunha de Dona Cinenga que residia em Iguape, interior de Guarapari, `as margens da BR-101.
Em pouco tempo, aquilo que era apenas um diagnostico medico, assumiu um carater missionario. Logo, Anna recebeu as primeiras vibraçoes de Entidades que a acompanhavam e que tinham um projeto para ela.
Certo dia, finalmente, um Espirito manifestou-se atraves da telefonista da cidade e identificou-se com o nome de Caboclo Sucupira.

A partir de entao, as orientaçoes acerca do que Anna Castro Martins deveria fazer passaram a ser ministradas pela Entidade. Dai´ em diante, Anna iniciou um trabalho de assistencia espiritual atendendo em sua casa ou onde surgisse alguma necessidade imediata. Assim, o Caboclo Sucupira e o Preto Velho Pai Sabino, Entidades que se manifestavam atraves da mediunidade de Anna, lançaram as primeiras sementes do centro umbandista que iria ser conhecido na cidade como Terreiro Santo Antonio de Padua.
Atendendo de casa em casa, Anna socorria pessoas aflitas e auxiliava-as no trato de suas enfermidades fisicas e espirituais. O marido Othon Martins a acompanhava e dava-lhe o apoio necessario no cumprimento da missao.
Anna e mais um grupo de simpatizantes da Umbanda organizavam verdadeiras caravanas ate´ o bairro Lameirao, onde residia o capataz de uma fazenda chamado Senhor Pimentel. Muitos dos que seguiriam no trabalho caritativo da Sagrada Umbanda entravam nessas caravanas e participavam das sessoes realizadas nas casas de Dona Cinenga, em Iguape, e do Sr. Pimentel, no Lameirao.
Uma outra mulher, chamada Maria Jose´ Coutinho, amiga de Anna, e que recentemente havia sido curada de um mal fisico por um Caboclo em Vitoria, Capital, convidou a medium para realizar sessoes em sua residencia no bairro Ipiranga. Simples, Anna aceitou o convite e o Caboclo Sucupira passou a ser querido e amado por mais simpatizantes da Religiao de Umbanda. Mais tarde, essas sessoes na casa da professora Maria Jose´ Coutinho resultaram em grande avanço para a Umbanda em Guarapari.
A erraticidade dos trabalhos de Anna Castro Martins acabou sendo notoria na cidade. Nao tendo um terreiro constituido para os trabalhos espirituais, as visitas e as sessoes em casas de amigos eram constantes. Certa vez abriu gira ate´ mesmo na Sede da banda marcial que havia em Guarapari, a Lyra de Ouro Guaraquiçaba.

Mas, as portas dos ceus se abriram para Anna Castro e um terreno foi cedido para que ela abrisse o terreiro de Umbanda e, assim, o Caboclo Sucupira recebeu um local para trabalhar de forma mais confortavel. Na rua Getulio Vargas, no Centro da cidade, foram levantadas as paredes de um pequeno centro de Umbanda cujo nome foi definido pelo proprio Caboclo Sucupira, o Centro Espirita Santo Antonio de Padua. O templo era uma construçao de pequeno tamanho, sem muitos atrativos, mas que abrigava o calor humano irradiado por Anna e as benecies transmitidas pelo Caboclo Sucupira.
Os anos se passaram e a corrente de mediuns foi aumentado devagarinho.
Durante alguns anos, Anna trabalhou naquele pequeno Centro, satisfeita com o que tinha recebido da Espiritualidade.
Festas em homenagem a Santo Antonio de Padua, Cosme e Damiao e Sao Jorge foram realizadas naquele terreirinho humilde, cujo piso era coberto de areia da praia.
Foi naquele terreiro que muitos mediuns iniciaram sua jornada na Religiao de Umbanda em Guarapari, tendo entre eles alguns ja´ conhecidos na comunidade umbandista como o senhor Huascar Correa Cruz, fundador do Centro de Irradiaçao Espiritual do Himalaia.
Um outro medium que logo ia se tornar peça importante para o Centro Espirita Santo Antonio de Padua tambem deu os primeiros passos nas Giras chefiadas pelo Caboclo Sucupira.

Antonio Joao Ribeiro ainda era garoto quando começou a frequentar as sessoes que eram realizadas na Rua Getulio Vargas. Sempre conduzido por sua mae, Dona Balbina, Antonio Joao participava das Giras como um simples ouvinte, tomava passes com os Guias e se mostrava interessado nas coisas que aconteciam no terreiro. Ate´ que, ao se tornar adulto, resolveu entrar para a corrente espiritual decidindo-se por ser um obreiro da Seara de Jesus no dia de Sao Jorge, em 1968.
Contudo, o crescente crescimento de Guarapari e o progresso imobiliario da cidade obrigaram o Centro Espirita Santo Antonio de Padua a se retirar do terreno cedido para a construçao do terreiro.
Entre lagrimas, Anna recolheu todas as coisas de dentro do templo e viu o fruto de longo trabalho na caridade ser destruido pelas maquinas escavadeiras. A Mae de Santo fechou-se em sua residencia como se esta fosse uma concha.
Apesar de nao possuir mais o terreiro, Anna Castro nao parou com a obra de caridade. Durante todo o ano, recolhia doaçoes de cobertores e roupas de frio e levava para os prisioneiros da delegacia de Guarapari e aos moradores do Lameirao - onde durante muitos anos funcionou um enorme deposito de lixo a ceu aberto. De vez em quando, um ou outro necessitado batia-lhe `a porta em busca de ajuda espiritual. Anna nao conseguia negar e atendia um, depois outro, e mais outros; ate´ que sua casa passou a ser constantemente procurada pelos Espiritos aflitos.
Edson Castro Martins, um dos filhos de Anna, comoveu-se com a angustia da umbandista por querer atender melhor os filhos de Umbanda e as pessoas que a procuravam. Tomou entao a iniciativa de conversar com os irmaos mais velhos e, num gesto que foi essencial para o Centro Santo Antonio de Padua, levantou as paredes de um minusculo terreiro na propriedade da familia, no Centro da cidade, bem perto dos Correios.
Ja´ no novo Terreirinho, Anna continuou empunhando a bandeira da Sagrada Umbanda e militando pela religiao, tendo sempre ao seu lado o Caboclo Sucupira, o Vovo Sabino, Joaozinho, a cigana Sarita e o Exu Sete Encruzilhadas.

Acompanhavam tambem os trabalhos de Anna, o medium Antonio Joao Ribeiro e outros que conheceram a açao do Caboclo Sucupira no passado.
Sempre obedecendo ao que o Caboclo Sucupira havia determinado sobre o uso de atabaques, Anna continuou praticando o mesmo ritual simples e preparando aquele que viria a ser o continuador de sua obra em Guarapari.
Em 1985, o Centro Santo Antonio de Padua finalmente tem seu registro oficializado junto `a Federaçao Espirita do Brasil, atraves do S'CEABRA , cuja sede ficava na Av Jeronimo Monteiro, em Vitoria.
Antonio Joao Ribeiro foi, aos poucos, preparado para a missao que o Caboclo Flecha Dourada havia de realizar no Centro Santo Antonio de Padua. Atraves do Caboclo Sucupira, o medium Antonio Joao recebeu as instruçoes para prosseguir a empreitada iniciada por Anna.
Ja´ antevendo sua partida para o Mundo Maior, Anna abria os trabalhos no Centro mas deixava o comando da Gira por conta do Caboclo Flecha Dourada, sucessor do Caboclo Sucupira. Assim, em conjunto, os dois Guias abriam trabalhos, realizavam obrigaçoes nas matas, nas cachoeiras e nas praias em rituais que exaltavam a simplicidade e a seriedade.
Cansada devido a problemas coronarios, Anna nao mais participava dos trabalhos da mesma forma como fazia anteriormente. As sessoes sempre eram iniciadas pelo Caboclo Sucupira, mas prosseguidas pelo Caboclo Flecha Dourada, atraves de Antonio Joao. E assim continuaram ate´ que na sexta-feira do dia 27 de julho de 1991, apos uma Gira dedicada os irmaos Exus, o coraçao de Anna Castro Martins interrompeu sua trajetoria carnal na Terra.

Simples como sempre foi, assim tambem foi a partida de Anna para o Mundo Maior. Sentada em sua sala de estar, em descanso, Anna fechou definitivamente os olhos da carne num desencarne sem dores ou enfermidades prolongadas.
Othon Martins, marido de Anna, permaneceu com o Conga´ aberto ate´ o dia do seu falecimento em setembro de 1999. Inevitavelmente, o local onde estava instalado o Centro Santo Antonio de Padua, entrou em questoes de partilha de herdeiros e precisou ser fechado.

Desta vez, o trabalho de conduzir os mediuns a realizar sessoes de porta em porta ficou aos cuidados de Antonio Joao. Semelhante ao que Anna Castro fazia, Antonio abria sessoes onde era permitido. Hora na casa de um medium, hora na casa de um simpatizante.
No ano de 2000, uma medium do Centro chamada Maria do Amparo abriu as portas de sua casa para fixar ali o Conga´ do Santo Antonio de Padua, num lugar bem proximo de onde fora instalado o Centro de Irradiaçao Espiritual do Himalaia. Durante 12 meses seguidos, o Caboclo Flecha Dourada e demais Espiritos que baixavam no Centro realizaram a caridade na residencia que a Dona Amparo cedeu gratuitamente. Mas, em agosto de 2001, uma nova diretoria foi composta pelos membros do Centro com a proposta de levantar um Terreiro de Umbanda para que os mediuns e os visitantes, muito poucos naquela fase, pudessem professar sua fe´.

Mais uma vez, Edson Castro Martins cedeu uma construçao abandonada, um esqueleto que se erguia num terreno de sua propriedade no bairro Parque Areia Preta, para instalaçao do Centro. Em setembro do mesmo ano, teve inicio a obra de aproveitamento do esqueleto e construçao do Terreiro `a base de doaçoes de material e mao-de-obra.
E, finalmente, no dia 08 de dezembro de 2001, foi inaugurado oficialmente o Centro de Umbanda que recebeu a partir de entao o nome fantasia de Casa de Caridade Santo Antonio de Padua, `a rua Cecilia B Santana, 144, no Parque Areia Preta. A nova politica administrativa estabelecida definiu os caminhos de expansao, crescimento e organizaçao da Casa que desagradou a alguns mediuns mas que foi aprovada pela maioria. Desde entao, a Casa de Caridade passou por varias reformas e ampliaçoes devido ao crescente numero de visitantes.
O Caboclo Flecha Dourada continuou realizando a obra iniciada pelo Caboclo Sucupira, sempre pautado na simplicidade do ritual, na caridade absolutamente gratuita e na seriedade do corpo mediunico.
 
Atual Congá da Casa de Caridade Santo Antônio de Pádua.

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