12 de agosto de 2010

História da Umbanda - Parte 2 - A Anunciação

Qualquer iniciativa de explicação da origem da Umbanda deve levar em conta a importante parcela de colaboração que Zélio Fernandino de Moraes deu para o surgimento do culto que durante muitos anos foi relegado à marginalidade. O novo culto surgido no âmbito doméstico do carioca Zélio não trazia qualquer alusão a práticas criminosas em sua liturgia que contribuísse para uma atitude tão radical por parte de algumas autoridades políticas e religiosas desde então. A Umbanda deu os primeiros passos baseada no ritual que trazia uma liturgia simples, recheada de cânticos, rezas e orações. Grande parte das orações já era conhecida do povo cristão do início do século XX. Os símbolos e os ícones religiosos do primeiro altar levantado em nome da Umbanda pertenciam à crença popular da época, demonstrando, portanto, que o ritual não se baseava numa cultura desconhecida capaz de causar o espanto de ninguém. A mediunidade, mola propulsora da nova religião, era algo já explorado por benzedeiras e rezadores e estudado pelas primeiras congregações espíritas daqueles tempos. As manifestações, contudo, se limitavam a reuniões fechadas ao público comum. A explicação para tanta aversão está na novidade da crença e no preconceito em relação ao “diferente”, já que muitos têm o hábito de rechaçar, por medo ou por falta de conhecimento, aquilo que é novo e estranho.
A história do surgimento da Umbanda a partir da manifestação mediúnica de Zélio de Moraes difundida por todo o território brasileiro merece consideração e estudo profundo.
Ela tem fundamento e não teve início nas citações poéticas de romancistas e contadores de estórias. A que história que estará nas páginas seguintes foi baseada em depoimentos do próprio Zélio e de parentes e amigos que viveram ou conheceram o carioca que aos dezessete anos iniciou um grandioso trabalho em favor dos Espíritos necessitados. Também serão consideradas as palavras de vários estudiosos e pesquisadores que, movidos pela constante busca da verdade, escreveram sobre a Umbanda e o seu início a partir de 1908.
É fato, portanto, que verdadeiramente existiu um homem vitimado por uma paralisia estranha e por acessos semelhantes aos sintomas epilépticos ou, como quiserem alguns, parecidos com os de uma possessão demoníaca. Na verdade, as coisas que sobrevieram ao Zélio nada tinham de macabro, ou eram obra do demônio, pois compreendiam a exteriorização da mediunidade que o moço possuía. Esse afloramento peculiar causou a propagação do novo culto mais tarde.
Zélio Fernandino de Moraes nasceu no dia 10 de abril de 1891 no antigo Estado da Guanabara, atual Rio de Janeiro. Cresceu e viveu, desde a infância até a juventude, sob os cuidados de seus pais em São Gonçalo, município vizinho de Niterói, mais precisamente no bairro das Neves.
Leal de Souza, jornalista que conheceu de perto a família Moraes, relatou no livro “O Espiritismo, a Magia e as Sete Linhas de Umbanda” (obra publicada em 1933) que Zélio pertencia a uma família humilde cuja residência era “uma casa pobre de um bairro paupérrimo” (SOUZA, 1933, pág. 66) que ficava na Rua Floriano Peixoto, nº 30.
Filho de Dona Leonor de Moraes e Joaquim Fernandino Costa, militar reformado da Marinha, e tendo Zilka como única irmã, Zélio concluiu, aos dezessete anos de idade, o curso de propedêutica – espécie de ensino preparatório – e fazia planos para seguir a carreira militar. Seu desejo era ingressar na escola Naval, tomando como exemplo a figura do pai.
" Na minha família, todos são da marinha: almirantes, comandantes, um capitão-de- mar-e-guerra” – declarou certa vez, aos 82 anos de idade.
Tinha Zélio ainda a idade de 17 anos quando misteriosos acontecimentos tomaram vulto em sua vida.Franzino e de saúde frágil, Zélio começou a ter ataques estranhos na escola e no ambiente familiar à vista de todos e em momentos inesperados. De vez em quando, o rapaz era apanhado falando manso e suave e com postura semelhante a um homem velho, cujas palavras tinham um sotaque diferente, como se o Zélio fosse de outra região brasileira. Noutras vezes, sua voz assumia um tom enérgico e seu corpo apresentava uma postura vigorosa com um semblante sério e pesado. As coisas que Zélio falava também causavam espanto e medo, pois eram palavras desconexas, linguajar confuso e mensagens aparentemente sem sentido.
Tais “ataques” preocuparam toda a família que percebeu o perigo que aquilo poderia trazer à carreira do jovem, pois muitos parentes acreditavam que o rapaz estava ficando louco. A freqüência com que Zélio tinha as manifestações levou os pais a procurarem socorro junto a um tio dele, o irmão de Leonor.
Dr. Epaminondas de Moraes, tio de Zélio, era médico psiquiatra e dirigia o Hospício de Vargem Grande quando recebeu a visita dos pais assustados do rapaz. Dr. Epaminondas estudou o caso, pesquisou a literatura médica à época e observou o fato durante vários dias. Porém, nada encontrou que pudesse contribuir para algum diagnóstico. Nenhuma doença mental possuía os sintomas que ajudassem a esclarecer o que vinha acontecendo com o sobrinho. Vencido, o médico sugeriu que encaminhassem o Zélio a uma sessão de exorcismo e o colocassem aos cuidados de um padre, já que ele podia estar sendo vítima de demônios.
Zélio foi conduzido a outro parente, um padre católico, a quem caberia o trabalho de exorcizá-lo e afastar as entidades das trevas. O sacerdote, tio avô de Zélio, aplicou-lhe o ritual de exorcismo e também não obteve êxito.
Dona Leonor de Moraes, mãe de Zélio, levou o rapaz a uma negra benzedeira chamada Cândida que realizava curas. Dona Cândida também era médium e recebia a incorporação de um Espírito o qual se identificava pelo nome de Tio Antônio. A entidade recebeu o Zélio, aplicou-lhe passes e rezas e depois disse categoricamente que na verdade o que o moço tinha era proveniente da mediunidade que estava aflorando e que ele deveria “trabalhar” na caridade. Mas, as manifestações da mediunidade que estava prestes a aflorar com espantosos resultados futuros estavam apenas começando.
No início do ano de 1908, uma estranha paralisia jogou o rapaz sobre a cama e o manteve assim por certo tempo. Preocupados com a saúde do moço, seus pais chamaram médicos que o examinaram e nada conseguiram descobrir. Porém, no dia 15 de novembro do mesmo ano, a enfermidade desapareceu repentinamente sem que deixasse qualquer seqüela. Curiosamente, o próprio Zélio anunciou um dia antes que estaria curado na manhã seguinte:
" Eu estava paralítico, desenganado pelos médicos – disse ele em entrevista a Lilian Ribeiro, para a revista Gira de Umbanda, em 1972. – Certo dia, para surpresa de minha família, sentei-me na cama e disse que no dia seguinte estaria curado. Isso foi a 14 de novembro de 1908.”
Incomodado com a situação do filho e ansioso por resolver o problema que já se arrastava por um bom tempo, Joaquim Costa levou o Zélio a uma casa espírita da cidade de Niterói no dia 15 de novembro de 1908 após ouvir conselhos de amigos (¹). Tal casa foi definida pelo Zélio como sendo a “Federação Espírita de Niterói”.
Apesar de toda a família pertencer à Igreja Católica, o pai de Zélio era adepto do espiritismo à época, conforme relata Leal de Souza. Leal declarou que “o Caboclo das Sete Encruzilhadas... escolheu para seu médium, o filho de um espírita...”. Esta afirmativa foi corroborada anos mais tarde por Zélia de Moraes Cunha, filha de Zélio, em entrevista ao sacerdote umbandista Rivas Neto em 1990.
" O meu avô era espírita – disse ela –, mas espírita kardecista.”
A sessão espírita a que Zélio compareceu no dia 15 era presidida por um homem chamado José de Souza, conhecido pela alcunha de “Zeca”, chefe de um departamento da Marinha chamado Toque-Toque. Zélio foi convidado pelo próprio dirigente a sentar-se à sua direita na mesa.
O moço sentiu-se “deslocado, constrangido, em meio àqueles senhores”, segundo descreveu anos mais tarde. Sem saber o motivo, em dado momento da reunião, disse:
" Falta uma flor nesta mesa. Vou buscá-la!”
O dirigente e os demais participantes da sessão espírita o advertiram de que não podia ausentar-se da sala. Entretanto, “logo em seguida levantou-se, contrariando as normas do culto estabelecido pela instituição... Foi até um jardim apanhou uma rosa branca e colocou-a no centro da mesa onde se realizava o trabalho” (GUIMARÃES, Lucília; GARCIA, Éder Longas e MATA VIRGEM, Sociedade Espiritualista).
Sob o olhar atônito de Joaquim e dos demais membros do grupo espírita, Zélio voltou a sentar-se à mesa e os trabalhos afinal tiveram início.
Alguns Espíritos começaram a se manifestar na reunião e Zélio ficou aborrecido com as atitudes dos médiuns presentes.
" Verifiquei que os espíritos que se apresentavam ao vidente como índios e pretos, eram convidados a se afastar” – relatou Zélio na entrevista.
Nesse instante, Zélio foi tomado por “uma força estranha” que o impeliu a levantar-se novamente.
" Por quê não podem se manifestar esses Espíritos?” – perguntou Zélio.
O rapaz defendeu-os dizendo que “embora de aspecto humilde, eram trabalhadores”. Em declaração à revista “Seleções de Umbanda”, em 1975, Zélio revelou que apenas ouvia a própria voz, pois falava sem saber o que dizia.
A partir daquele momento, um debate se estabeleceu no recinto, pois até mesmo o Zélio recebeu a incorporação de um Espírito que argumentava seguramente com os responsáveis pela mesa. Os integrantes da mesa espírita resolveram, então, doutrinar e afastar o Espírito que falava por intermédio de Zélio.
O Espírito foi visto mediunicamente por um dos “senhores de cabelos grisalhos” que também era médium vidente. O Espírito tinha a aparência de sacerdote cristão, pois trajava roupas clericais, típicas dos jesuítas. Anos mais tarde, na entrevista a Lilian Ribeiro, ele mesmo revelou através da psicofonia que tinha sido em outra encarnação o sacerdote jesuíta Gabriel Malagrida. O Padre Gabriel Malagrida, figura impressionante que depois será abordada nestes escritos, foi queimado na fogueira da Santa Inquisição por prever o terremoto que arrasou Lisboa em 1755.
Zélio explicou que o Espírito não estava de acordo com a federação “kardecista” por não aceitar a manifestação de “caboclos e pretos”. Ora, se no Brasil existiam caboclos, nativos e negros da Costa d’África trazidos pelos exploradores para trabalharem e engrandecerem o País, “como é que uma federação espírita não recebia caboclo, e nem preto?!”, disse o Zélio em entrevista.
A insistência do Espírito em advogar em favor dos negros, índios e mestiços do Brasil deixou o médium vidente um tanto aborrecido.
" O irmão é um padre jesuíta! – afirmou o médium. – Por quê fala dessa maneira e qual é o seu nome?
Independente da vontade de Zélio, respondeu o Espírito profetizando:
" Amanhã na casa deste meu aparelho (o próprio Zélio), na Rua Floriano Peixoto, nº 30, será inaugurado uma tenda espírita com o nome de Nossa Senhora da Piedade, que se chamará Tenda de Umbanda, aonde o preto e o caboclo possam trabalhar, simbolizando a humildade e a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados."
E, o Espírito completou a profecia, afirmando:
" E, se querem um nome, que seja este: sou o Caboclo das Sete Encruzilhadas."

(¹) A respeito da casa espírita para onde Zélio Fernandino de Moraes fora conduzido, existem controvérsias que carecem de esclarecimentos, uma vez que a veracidade de todos os fatos conhecidos até então entra em conflito a partir do momento em que se torna pública a declaração de Yeda Hungria, Diretora de Divulgação da Federação Espírita de Niterói (atual Instituto Espírita Bezerra de Menezes).
Segundo a Diretora, a Federação não dispunha de sede própria à época dos acontecimentos relativos à visita de Zélio de Moraes, mas tão somente ocupava uma sala no Centro de Niterói, na Rua da Conceição, sendo impossível, portanto, que o Zélio tenha saído rapidamente da sala, buscado uma flor e colocado sobre a mesa de reunião mediúnica. É possível, todavia, que o Zélio tenha sido levado para algum Centro filiado à Federação de Niterói e, devido à repetição da história tradicional, o nome da casa tenha se perdido.
A Ata nº 1 da Federação relata que o presidente à época era o Sr. Eugênio Olímpio de Souza. Também “não consta o nome de nenhum José de Souza entre os membros da diretoria e muito menos na relação de associados. Tampouco consta no referido livro de atas a realização de reunião” no dia 15 de novembro de 1908. É importante ressaltar, entretanto, que por uma estranha coincidência, o sobrenome do presidente da Federação era o mesmo do citado na tradição oral.
Tais informações vieram à tona através do texto “Eis que o Caboclo veio à Terra “anunciar” a Umbanda”, publicado por José Henrique Motta de Oliveira, Mestre em História Comparada - UFRJ/ PPGHC, em História, imagem e narrativas, nº 4, ano 2, abril/2007 – ISSN 1808-9895.



Bibliografia:
SOUZA, Leal. O Espiritismo, Magia e as Sete Linhas de Umbanda. Rio de Janeiro: [s.n], 1933.

GUIMARÃES, Lucília; GARCIA, Éder Longas e MATA VIRGEM, Sociedade Espiritualista. A Origem da Umbanda. Disponível em: http://www2.odn.ne.jp/nec-j/pages/umbanda_orig.htm, Núcleo Espírita Cristão do Japão, último acesso: segunda-feira, 20/04/2009.

OLIVEIRA, José Henrique Motta de. Eis Que o Caboclo Veio à Terra “Anunciar” a Umbanda. Disponível em: http://www.historiaimagem.com.br, História, imagem e narrativas, nº 4, ano 2, abril/2007 – ISSN 1808-9895.

RIBEIRO, Lilia; Lucy e Creuza. Gira da Umbanda, Revista; Ano 1 – Número 1, 1972.

LUA, Brigith. Desenvolvimento Histórico Anterior ao Surgimento da Umbanda. Disponível em Grupo Casa de Umbanda, último acesso: terça-feira, 27/04/2010.

RIVAS, Maria Elise Gabriele Baggio Machado. O Mito de Origem, Uma Revisão do Ethos Umbandista no Discurso Histórico. São Paulo, Abril/2008. Trabalho de conclusão de curso Bacharelado em Teologia Umbandista – FTU Faculdade de Teologia Umbandista.

GUMARÃES, Renato. Registros Umbanda, Blog – Imagens. Último acesso em 13/12/2009.

14 de julho de 2010

A Umbanda em Guarapari - A História de Maria José

Na decada de 60 surgiu no cenario umbandista uma outra figura que foi tambem de vital importancia para o crescimento da Umbanda Sagrada em Guarapari. Atraves dela varios filhos de fe encontraram o caminho da Espiritualidade e ascenderam um degrau na escala evolutiva das criaturas humanas. Trata-se de Maria Jose´ Coutinho Santos, professora conhecida na cidade que, movida por uma admiravel impetuosidade guerreira, iniciou um trabalho espiritual que a tornou mais conhecida ainda.

Maria Jose´ Coutinho, espiritossantense nascida em Anchieta, cidade vizinha de Guarapari, ficou orfa dos pais aos quinze anos de idade e logo cedo precisou assumir as redeas na educaçao dos seis irmaos mais novos.

Sua vida, cheia de provaçoes e luta pelo bem estar da familia, teve momentos de grande angustia e desespero numa epoca em que os recursos financeiros eram limitados. Grande parte da populaçao encontrava na pesca a sua forma de sobrevivencia.

Ao ver-se debaixo da responsabilidade de cuidar dos irmaos, foi lecionar e, com sacrificios, criou e educou a todos com rigor de pai e amor de mae. Devido `a pesada tarefa que a Providencia lhe outorgou, adquiriu um temperamento forte e decidido. Passou a ser uma mulher que nao se dobrava facilmente diante das ventanias e tempestades que surgiam de repente.
Maria Jose´ Coutinho desempenhava o papel de pai e mae de todos os irmaos - o que lhe deu a alcunha de "Mana", como e´ conhecida ate´ hoje - e ao mesmo tempo labutava na profissao de professora. Alem da caracteristica rigorosa alcançada no trato diario com os irmaos, Maria Jose´ aplicava ainda os ensinamentos cristaos que recebeu em colegio dirigido por freiras catolicas os quais estavam gravados em sua educaçao. Casou-se com o Sr. Otavio dos Santos e continuou no magisterio por muitos anos seguidos. Nesta epoca, o casal morava numa residencia proxima `a fonte que os jesuitas haviam construido no periodo da colonizaçao do Brasil.

Mesmo trabalhando no desenvolvimento intelectual e fisico dos irmaos `a base de muita luta e exercendo sua autoridade, Maria Jose´ Coutinho Santos mantinha o coraçao mole e se derretia de compaixao pelo proximo quando este sofria alguma injustiça. Assim, seu instinto materno aflorava quase que constantemente.

Aconteceu certa vez que uma amiga de infancia, que tambem havia saido de Anchieta em busca de uma vida melhor em Guarapari, foi expulsa da casa de uma cunhada de maneira indigna. A moça, cujo nome era Leonor Maria Gomes, e sua irma Maria da Penha, moravam na casa de um outro irmao que ja´ era casado. Depois de uma discussao, a cunhada de Leonor apanhou suas roupas e de sua irma e lançou na rua expulsando-as da residencia. Ao saber o que se passou com a amiga, Maria Jose´ foi ao seu socorro imediatamente. Diante da situaçao, a "Mana" resolveu traze-la para dentro de sua casa e dar-lhe abrigo.

Maria Jose´ explicou para Leonor que nao tinha condiçoes financeiras de cuidar das duas irmas, mesmo porque o seu marido estava desempregado na epoca. Maria da Penha, portanto, foi morar em casa de outra amiga enquanto Leonor Maria Gomes foi abrigada por Maria Jose´. Leonor ficou sob os cuidados de Maria Jose por muito tempo - ate´ o seu casamento com o pedreiro Placidino Marques - e, nesse periodo trabalhou costurando roupas sob encomenda. Porem, apesar de tragico, aquele incidente foi primordial para o desenrolar da vida espiritual das duas amigas de infancia.

Foi no exercicio do magisterio de Maria Jose´ que a Espiritualidade começou a conduzir a vida da anchietense em direçao a um desfecho benefico para a Religiao de Umbanda.

Maria Jose´, a "Mana", ja´ estava ministrando aulas ha´ dez anos quando, inexperadamente, perdeu a voz em plena sala de aula. Preocupada, buscou socorro atraves de varios medicos que a examinaram e nao conseguiram encontrar o motivo de tal enfermidade. Durante meses, Maria Jose´ permaneceu afonica ate´ que Leonor, sua antiga inquilina, soube que um famoso medium estava visitando o Espirito Santo e realizava curas milagrosas. Leonor sugeriu que a professora fosse ao encontro do medium para uma consulta. Maria Jose´ escreveu num papel que se a coisa fosse relacionada a Espiritos ela nao aceitaria. Apos insistencia da amiga, Maria Jose cedeu e viajou ate´ `a capital onde estava o medium.

No principio dos anos 60, Maria Jose´ encontrou-se com o medium que, em transe, aplicou-lhe um passe e determinou que ja´ estava curada. Maria Jose´ voltou a falar instantaneamente.

Depois desse episodio, a vida de Maria Jose tomou novo rumo. Apesar de toda a educaçao catolica recebida, interessou-se pelo mundo dos Espiritos, algo tao fortemente combatido na epoca. Adquiriu literatura espirita e "encontrou a verdade", conforme suas palavras. Foi nesse periodo que a professora realizou mais uma caridade que teve grande impacto em sua vida.

Sabendo que o Caboclo Sucupira, Espirito que vinha realizando grande trabalho na cidade atraves de Anna Castro Martins, nao tinha um lugar fixo para fazer atendimentos, Maria Jose cedeu a cozinha de sua casa para que Anna pudesse "dar passagem" ao Caboclo. Curiosa, Maria Jose´ ficava observando todas as coisas enquanto o Caboclo trabalhava. As sessoes em casa de Maria Jose´ tornaram-se comuns e mais e mais pessoas buscavam socorro nas consultas com o Caboclo Sucupira. E a professora, entusiasmada e feliz, continuava observando com admiraçao.

Leonor, agora casada e dona de uma pensao no Centro da cidade de Guarapari, apresentou a Maria Jose uma hospede carioca chamada Maria Angelica Brandao, conhecida pela alcunha de "Mae Liquinha".
Vigorosa, e dona de uma voz potente, Mae Liquinha recebeu a incorporaçao do Espirito Pai Joao e passou algumas orientaçoes `a estupefacta Maria Jose´. Disse que sob sua responsabilidade, deveria abrir um Centro de Umbanda, pois nao era bom continuar recebendo Espiritos em casa. Um lugar especifico para isso tinha que ser preparado. Maria Jose´ explicou que nao sabia de tal gravidade, mas que logo providenciaria um outro cantinho para que os Espiritos pudessem fazer a caridade.

Pai Joao entao passou todas as determinaçoes a respeito da vestimenta, das guias, do ritual e da composiçao do corpo mediunico. Maria Jose´ Coutinho participou da corrente tendo como Chefe Espiritual o Caboclo Arranca Toco, que baixava em outro medium do grupo.

Seguindo sempre as orientaçoes do Pai Joao, que vinha de tempos em tempos atraves das muitas vindas da carioca Mae Liquinha a Guarapari, Maria Jose seguia a jornada mediunica preparando-se para ser o grande baluarte da religiao que um dia iria se tornar.

Certo dia, o Pai Joao determinou que Maria Jose fosse `a capital Vitoria e trouxesse uma grande lista de material liturgico que iria precisar. Obediente, a pequena professora assim o fez e, no dia determinado para utilizaçao de todos os objetos, Maria Jose disse que nao podia participar da corrente por nao estar em condiçoes fisicas para isso. Pai Joao indagou-lhe quando estaria pronta e a data foi prorrogada para o dia do aniversario de Maria Jose´.
Proximo `a casa de Maria Jose´, no bairro Ipiranga, havia uma pequena casa de madeira, de sua propriedade, que estava abandonada. Provisoriamente foi escolhida aquela cabana para ser o local onde as Giras deveriam acontecer regularmente.

E, la´ estavam todos reunidos, no dia 20 de março de 1964, conforme determinado anteriormente, quando o Pai Joao manifestou-se e conclamou ao Caboclo Pena Verde, Guia de Maria Jose´, que se fizesse presente no recinto.

Maria Jose´ Coutinho Santos recebeu a incorporaçao do Caboclo e, quando voltou a si, recebeu os parabens e a imediata noticia de que a partir daquele dia seria chamada por todos os mediuns de Mae de Santo do Templo Espirita Caboclo Pena Verde.

A reaçao de Maria Jose foi de completo espanto e medo, pois nao imaginava de forma alguma que tal responsabilidade seria designada para ela, uma simples curiosa da nova religiao espiritualista. Como disse, em entrevista, Maria Jose´ pensou que todo o material ritualistico e aquela preparaçao do que viria a ser um terreiro seria designado para que Anna Castro pudesse trabalhar com o Caboclo Sucupira.

Apesar de todo o espanto, a professora aceitou a missao e resolveu tocar adiante o que a Espiritualidade Maior havia reservado para ela. Assim, de forma simples e nova, Maria Jose´ Coutinho Santos, a catolica educada em colegio de freiras, abraçou definitivamente a nova religiao e deu prosseguimento aos trabalhos espirituais do Templo Espirita Caboclo Pena Verde.

Como e´ comum em se tratando de Umbanda, o inicio da jornada caritativa do Templo Espirita Caboclo Pena Verde nao foi muito facil. Primeiramente vieram as perseguiçoes e acusaçoes contra a propria Maria Jose´. Logo no começo, a nova Chefe de Terreiro recebeu a visita do padre da cidade. Conhecido de todos os moradores, o padre - cujo nome nao convem citar - indagou a Maria Jose´ se ela nao imaginava que estava cometendo um ato pecaminoso contra as leis divinas, pois a Igreja condenava as praticas chamadas na epoca de espiritas (uma alusao ao Espiritismo). Sem ser arrogante, a professora deu respostas `a altura e o padre nao tocou mais no assunto. Concomitantemente, tambem surgiram intrigas e falatorios sobre a atitude de Maria Jose´ em montar um "centro espirita".

Contudo, `a medida que mais pessoas se juntavam ao coro de falastroes, mais o centro ganhava espaço na cidade e mais mediuns se juntavam `a corrente liderada por Maria Jose´. Parentes e amigos que demonstravam alguns sinais de mediunidade se uniam a ela e logo mandavam confeccionar a roupa branca para participar da corrente e desenvolver a mediunidade. Participaram dessa corrente de Maria Jose´ a amiga Leonor Maria Gomes e seu marido Placidino Marques, bem como o ja´ conhecido Huascar Correa Cruz, acompanhado de sua esposa.

Incitados por Huascar, os mediuns e a Mae de Santo Maria Jose´ Coutinho idealizaram entao a construçao de um novo templo. O pequeno barraco de madeira ja´ nao comportava mais as pessoas que buscavam a ajuda da Espiritualidade. Era preciso fazer algo para solucionar o problema. Como Maria Jose´ possuia um grande pedaço de terra ainda sem utilizaçao perto do terreiro de Umbanda, ficou definido que ali deveria ser construida a nova sede do Templo Espirita Caboclo Pena Verde.

Definido o projeto, tiveram entao inicio os trabalhos de construçao do novo templo. Os mediuns se juntaram, cada qual com sua participaçao e sua maneira de ajudar, e em uniao levantaram as paredes do terreiro.

A obra seguiu a passos largos e, finalmente, em 1967 foi inaugurada a Nova Sede do Templo Espirita Caboclo Pena Verde. Uma grande construçao em alvenaria que permanece de pe´ ate´ os dias de hoje. Um grande terreiro cujo altar acompanha a grandiosidade da obra, com um espaço local para assistentes, vestiarios masculinos e femininos, bem como de uma cozinha erguida para utilizaçao apenas das coisas do terreiro, uma sala para oraçao `as Santas Almas, chamada de "Cativeiro" e um terreiro em miniatura para as consultas particulares com a Mae Cambina.

O Templo Espirita Caboclo Pena Verde ganhou notoriedade no municipio, pois estabeleceu-se e ganhou estatura. Tornou-se o maior Centro erguido na cidade, desde entao. A corrente fortaleceu-se e muitos mediuns desenvolveram seus dons no espaço sagrado do Templo.

A visita de outros mediuns e de outros pequenos terreiros eram constantes, principalmente nos dias de Gira Festiva. Nas festas dedicadas aos Orixas, o Templo ficava abarrotado e os atabaques soavam com jubilo. Nas festas da Ibejada, quando balas e doces eram distribuidas, filas enormes se faziam do lado de fora do Templo.

Mediuns masculinos e femininos se desenvolviam, ficavam fortalecidos e trabalhavam na caridade. Uma delas inclusive recebeu a missao de erguer um outro templo umbandista e chefiar sua propria corrente. Foi inclusive a propria Mae Liquinha quem a preparou para tao grande tarefa. Trata-se da amiga de Maria Jose´, a anchietense Leonor Maria.

Outros mais que tambem foram separados pela Espiritualidade Maior para desempenharem a ardua tarefa de dirigirem um grupo de mediuns se desligaram do Templo Pena Verde e abriram portas em outros lugares.

Muitos nao compreendiam a saida desses mediuns e, vez por outra, surgiam comentarios maldosos a respeito dos dissidentes.

A Mae Maria Jose´, por sua vez, acabava sendo alvo de intrigas e fofocas.

O Templo Espirita Caboclo Pena Verde, sob a Chefia de Maria Jose´ procurou guardar todas as orientaçoes dadas pela Mae Liquinha. O ritual de abertura com seus pontos cantados, corimba, saudaçao `as Sete Linhas, saudaçao ao Conga´ (bate-cabeça), cruzamento com o Chefe e danças gestuais continuaram no mesmo ritmo e no mesmo padrao instituido pela Mae de Santo carioca.

Os mediuns sempre obedeceram `a risca o que o Caboclo Pena Verde e o que o Sr. Ogum Beira-Mar determinaram para as Giras. Banhos, resguardos, obrigaçoes, visitas a outros templos, giras festivas, comidas e outros rituais nunca deixaram de passar pelo crivo dos Guias Mentores do Templo.

Permanecendo num continuo padrao, apenas sofreu algumas poucas e necessarias reformas a estrutura do Templo, que durante mais quatro decadas recebeu pinturas e renovaçoes. Durante as decadas que ia se passando, o Conga´ e alguns outros ambientes do Terreiro receberam modificaçoes necessarias e uteis. Mas, a essencia do que se propunha o Templo do Caboclo Pena Verde nao sofreu mudanças.

Uma sala reservada para o Povo Cigano foi especialmente preparada e decorada com tapetes, almofadas, simbolos, imagens e outros apetrechos ciganos. Uma tenda foi erguida dentro da sala, onde, ocasionalmente manifesta-se a Cigana que trabalha no Pena Verde.

Em 1989, uma grande festa foi organizada para comemorar o Jubileu de Prata do Templo Espirita Caboclo Pena Verde. Numa grande Gira festiva que lotou todo o terreiro, os mediuns se reuniram numa so´ voz para entoar o Hino do Pena Verde que foi criado especialmente para as Bodas de Prata.

13 de julho de 2010

A Umbanda em Guarapari - A História de Leonor Gomes

A Tenda Espírita Pai João foi inaugurada no final da década de 1960, na conhecida Rua da Marinha, no bairro Itapebussu. Com uma estrutura semelhante ao terreiro conduzido pela Mãe Maria José, a tenda era ainda maior em largura e comprimento. Devido ao número de médiuns que abrigou e às grandes Giras festivas realizadas durante o tempo em que esteve aberto tornou-se tão famoso quanto o Templo Espírita Caboclo Pena Verde inaugurado pela professora Maria José. Era o terreiro construído pelas mãos de Placedino Marques, marido de Leonor Maria Gomes.
Leonor teve uma trajetória parecida com a de Maria José, o que explica a empatia que havia entre as duas amigas de infância. Órfã ainda na adolescência abraçou para si a tarefa de cuidar das quatro irmãs mais novas e de manter o equilíbrio emocional de outros três irmãos. Nascida em Anchieta, no Espírito Santo, chegou à cidade vizinha Guarapari e estabeleceu-se em casa de um dos irmãos que já estava casado levando consigo uma de suas irmãs. Mas, a estadia demorou pouco tempo. Sua cunhada era dona de um temperamento forte e por vezes aconteciam acirradas discussões domésticas. Numa dessas brigas, Leonor e a irmã Maria da Penha foram expulsas pela cunhada e tiveram suas roupas jogadas no meio da rua. Leonor foi abrigada pela então professora do colégio Guarapari, Maria José.
Durante o tempo em que esteve morando com a professora, Leonor aprendeu a costurar e conheceu Placedino Marques, pedreiro muito conhecido na cidade, com quem se casou mais tarde. Ao lado do marido, Leonor ergueu na região central da cidade uma pensão que recebia os turistas que passaram a freqüentar o município a partir do período de expansão da cidade na década de 50. Gentes de todas as partes passavam os verões em Guarapari, famosa no país pela propriedade curativa das areias monazíticas da Praia da Areia Preta. Da pensão, a anchietense assegurava o sustento para si e para as irmãs e sobrinhos que ajudou a criar.
Leonor fora criada na tradição católica da família anchietense, mas era muito curiosa acerca da vida além corpo. Quando adolescente, participava de eucaristias e procissões católicas. Numa dessas ocasiões, interpretou a Virgem Maria na procissão do dia de Nossa Senhora da Conceição. Entretanto, a educação religiosa recebida na infância e na adolescência não impediu a jovem de buscar respostas sobre a vida espiritual. Conforme relatos de alguns conterrâneos, Leonor participava de verdadeiras excursões em direção ao bairro Lameirão ao lado de outros curiosos, dentre eles a Anna Castro Martins, telefonista de Guarapari que iria desempenhar grande trabalho espiritual e caritativo em nome da Umbanda. No bairro Lameirão morava o homem conhecido pela alcunha de Sr. Pimentel o qual realizava sessões espirituais particulares e muitos moradores de Guarapari iam até sua casa para pedir orientações, benzimentos e remédios curativos. Foi por intermédio da curiosidade de Leonor que a amiga Maria José foi curada de um mal súbito que lhe acometeu quando ainda era professora.
Preocupada com a voz de Maria José que subitamente havia faltado, Leonor a aconselhou a sair em visita a um famoso médium curador que estava na capital Vitória. E foi também graças ao interesse pelas coisas do Espírito que Leonor conheceu em sua pensão a mulher que mais tarde seria de crucial importância para sua mediunidade e para o desenvolvimento da religião de Umbanda em Guarapari.
A cura e o retorno da voz acenderam na professora Maria José o interesse pelo ritual mediúnico que ela chamava de espiritismo. A partir do restabelecimento da saúde, Maria José passou a ceder a cozinha de sua residência para que Anna Castro pudesse incorporar o Caboclo Sucupira, o qual já era conhecido entre os moradores de Guarapari.
Em 1962, a mulher carioca conhecida como Dona Liquinha, ou Maria Angélica Brandão, hospedou-se na pensão de Leonor e ambas iniciaram uma forte amizade desde então. Quando visitava Guarapari, no verão, Dona Liquinha saía do Rio de Janeiro trazendo as filhas e todas ficavam hospedadas na pensão de Leonor. Dona Liquinha não escondia sua orientação religiosa e logo Leonor ficou sabendo que ela era Chefe de Terreiro. A novidade encheu os olhos de Leonor de uma alegria intensa. Essa alegria levou Leonor a apresentar Dona Liquinha para Maria José. Desse encontro, revelou-se a missão de Maria José ao mundo. Cabia a ela a tarefa de iniciar o trabalho caritativo de Umbanda e a de levantar um altar em sua propriedade. Em 1964, Maria José deu início ao terreiro de Umbanda do Caboclo Pena Verde, tendo como médium em desenvolvimento a amiga Leonor. Placedino, marido de Leonor, ajudou a construir também o Templo Pena Verde inaugurado em 1967.
Leonor e seu marido integraram a corrente espiritual de Maria José durante certo tempo, até que o Pai João, entidade que se manifestava através da mediunidade de Dona Liquinha, outorgou-lhe a incumbência de erguer outro templo na cidade. Já nessa época, Leonor incorporava o Caboclo Sereno, Espírito dócil, porém rigoroso quanto à seriedade dos trabalhos umbandistas. A missão de Leonor não foi bem interpretada por alguns irmãos de fé. Foi atribuída a ela e ao marido a pecha de invejosos e dissidentes.
Anna Castro havia deixado a erraticidade dos trabalhos e, nesse tempo, o Centro Espírita Santo Antônio de Pádua já estava estabelecido na Rua Getúlio Vargas, no centro da cidade. O terreiro comandado por Maria José também já era conhecido de todos. Mas, a expansão da religião de Umbanda em Guarapari estava apenas começando. Essa expansão era vista com bons olhos pela Espiritualidade Maior.
Sob o comando de Pai João, Placedino iniciou a construção do novo terreiro, agora no bairro Itapebussu, do outro lado da ponte que ligava o Centro da cidade ao bairro Muquiçaba. O loteamento era novo e a área de terra de cada lote era grande. Leonor e o marido haviam adquirido um grande terreno que fazia fronteira com duas ruas. Dona Liquinha orientava todas as etapas da construção.

O terreiro deveria ficar parecido com a Tenda Espírita São João Batista que ela comandava à rua Patagônia, nº 42, no bairro da Penha, Rio de Janeiro.
Em junho de 1968, em uma bela cerimônia que ficou gravada na memória de inúmeros simpatizantes e seguidores da religião de Umbanda, a Tenda Espírita Pai João foi inaugurada sob as ordens e direção do Pai João e da Velha Rosa, Entidades incorporantes da Mãe de Santo Liquinha. É enorme a quantidade de pessoas que guarda da mente e no coração a festa de grande pompa que teve lugar na Rua da Marinha quando da inauguração do terreiro de Umbanda.

A Tenda Espírita Pai João era deveras muito semelhante ao erguido por Maria José no bairro Ipiranga. A semelhança era tanta que dava a impressão de que ambos pertenciam à mesma pessoa. A diferença, porém estava no tamanho e na decoração do altar. A Tenda Pai João era maior e a parede por detrás do altar possuía uma pintura que lembrava o firmamento. Havia também sob o altar uma pequena queda d’água que descia ininterrupta formando uma cachoeira em miniatura. A cachoeirinha formava um lago decorado com plantas vivas e pedras naturais. A Tenda também possuía maior espaço para a assistência que ficava sentada logo atrás dos tablados construídos para os ogãs de toque. A cantina que ficava na entrada do terreiro tinha a aparência de uma antiga casa de madeira. Foi decorada para se parecer com uma pequena cabana do período colonial. Ganhou o título de Cabana de Pai Tomé. A Cabana do Pai Tomé era, ao mesmo tempo, cantina e cozinha especial para a preparação dos alimentos ritualísticos.

Uma grande parte dos médiuns que freqüentavam o Templo Pena Verde mudou-se para a Tenda de Pai João e, pouco tempo depois da inauguração, Leonor foi chamada pela Mãe Liquinha para passar uma longa temporada de vários meses no Rio de Janeiro. Mal sabia ela que algo muito importante estava sendo preparado pela Espiritualidade Maior.
Leonor hospedou-se em casa de Dona Liquinha e recebeu muitas instruções acerca do terreiro recém inaugurado e do ritual que deveria ser seguido pelos médiuns da Tenda. Também recebeu orientações sobre as oferendas e obrigações aos Orixás. Logo após o retorno do Rio de Janeiro, entretanto, a primeira de muitas provações pelas quais Leonor passaria teve início a partir de alguns médiuns da corrente espiritual que, descontentes com o espírito de liderança da médium, enredaram um boato sobre as suas reais intenções. Achavam todos que Leonor queria mandar no terreiro e sobrepujar a autoridade de Mãe Liquinha. Nesse ínterim, o Pai João determinou que Mãe Liquinha viajasse o mais rápido possível até Guarapari e que todos os médiuns se encontrassem no terreiro para uma reunião extraordinária.
No dia marcado para a reunião, o Pai João desceu diante dos médiuns e ordenou que fossem colocados alguns bancos no meio do Congá e que todos se assentassem. O Pai João revelou então que a partir daquela data a médium Leonor iria conduzir os trabalhos da Tenda. Depois de uma longa explanação e exortação acerca do ato traidor de determinados filhos da corrente, o Pai João dirigiu-se a cada médium individualmente. Com autoridade, a Entidade dizia a cada um que se retirasse do Congá e se assentasse nos bancos destinados aos consulentes. Por fim, apenas Leonor, Placedino e outra médium permaneceram nos bancos posicionados dentro do Congá. Pai João então falou, diante dos olhos estupefatos de Leonor, que daquele dia em diante todos os que estavam sentados do lado de fora do Congá não pertenciam mais ao quadro mediúnico da Tenda de Pai João e que deveriam se retirar do terreiro imediatamente.
Assustada, Leonor perguntou ao Guia como seria a Tenda a partir daquela data. Pai João tranqüilizou a médium e disse que não se preocupasse, pois dentro em breve o terreiro estaria novamente repleto de médiuns confiáveis e cheios de amor no coração. E assim, Leonor passou a ser a Dirigente da Tenda Espírita Pai João, tendo à sua mão direita o marido Placedino, encarregado desde então a ser o zelador do terreiro e Cambone do Caboclo Sereno, agora Guia-Chefe da Tenda.
Com o crescimento econômico da cidade, muitos hotéis foram construídos e Mãe Leonor decidiu que deveria abandonar a pensão e transformá-la em lojas comerciais. Assim, a pensão que abrigara muitos turistas deu lugar a diversas lojas. Placedino e Mãe Leonor levantaram então o Restaurante Lagostão que se tornou conhecido e bastante freqüentado por turistas de várias partes do País.

Mãe Leonor dividia seu tempo entre o restaurante e o terreiro de Umbanda, cujas festas de Cosme e Damião, São Jorge, São João e São Sebastião levavam muitos simpatizantes à Tenda. Também ficaram famosas as jangadas feitas de pita que levavam barquinhos em tamanho natural repletos de flores nas oferendas à Iemanjá.
As oferendas para Iemanjá aconteciam na Praia da Areia Preta, nas festas de fim de ano à beira mar. Entre 1970 e 1980 os festejos e as cerimônias dedicadas a Iemanjá lotavam toda a orla do Centro de Guarapari. Muitas pessoas desciam até à Praia da Areia Preta para ver os umbandistas cantando pontos, curimbando ao som dos atabaques e recebendo seus Guias ao ar livre, diante de uma imensa platéia de curiosos e simpatizantes da religião.

Foi a partir de 1980 que o calvário de Mãe Leonor começou de fato a tomar proporções inigualáveis. Apesar de tão querida por todos os que freqüentavam a Tenda de Pai João e de ser guiada pelo amável Caboclo Sereno, Mãe Leonor enfrentou e atravessou quase que sozinha uma imensa provação. Nessa época, sua mentora e Mãe de Santo, Dona Liquinha já havia falecido. Placedino, o maior apoio de Mãe Leonor, entrou num estado de decadência espiritual que acabou por refletir na vida emocional e financeira da esposa.
Trabalhando no serviço público, Placedino envolveu-se com diversos alcoólatras, os quais por sua vez influenciaram negativamente o cambone do Caboclo Sereno. A queda começou com as faltas freqüentes às Giras que aconteciam aos sábados. Passou a ser rotina a abertura de trabalhos sem a presença do braço direito de Mãe Leonor.
A situação piorou quando a bebedeira de Placedino passou a ser diária. Todos os dias, Placedino chegava em casa transformado pelo álcool, na hora das refeições ou no meio da tarde. As brigas e as discussões acaloradas eram constantes, ao ponto de chegar à agressão física contra a própria Mãe Leonor. Certa vez, ela recebeu sobre o seu corpo um prato cheio de feijão quente arremessado pelo marido furioso. Sofrendo com toda aquela situação, Mãe Leonor viu a sua vida de tantas lutas entrar num turbilhão de acontecimentos ruins. O choro, antes das sessões de Umbanda, era inevitável. De vez em quando, o terreiro ficava de portas fechadas nos dias de Gira. Mãe Leonor, envolvida com as confusões provocadas pelo marido, não encontrava forças para sequer sair de casa, no Centro da cidade, e dirigir-se ao bairro onde a Tenda estava estabelecida. A dor aumentou quando Mãe Leonor descobriu que o marido a traía, o que poderia explicar o motivo de tantas brigas e tantas palavras de ofensa proferidas pelo homem bêbado. Foi a partir desse constante e diário sofrimento que Mãe Leonor tomou a triste decisão de fechar a Tenda de Pai João por tempo indeterminado.
Depois disso, o caos tomou conta da vida de Mãe Leonor e sua família. As brigas saíram do limite doméstico e atingiram o comércio mantido pelo casal. Alcoolizado, Placedino invadia o restaurante e expulsava os fregueses sem que eles pagassem o consumido. O restaurante, outrora tão bem freqüentado, agora só acumulava dívidas. A única solução era vender o estabelecimento. Teve início também uma trajetória de venda das lojas por preços muito abaixo do mercado imobiliário, o que trouxe para o casal grande prejuízo e ruína. E, assim foi feito com todos os imóveis do casal Leonor e Placedino. Lojas, casas e terrenos conseguidos depois de tanto suor e trabalho foram desaparecendo das vistas de todos que, assombrados, não entendiam o porquê de tamanha decadência.

O Terreiro de Umbanda, o último bem e, certamente, o mais precioso de todos ainda resistia à tempestade que se abateu sobre a Mãe de Santo Leonor Gomes. Porém, em 1986, a Tenda Espírita Pai João foi vendida. O terreiro de Umbanda da Rua da Marinha encerrou definitivamente suas portas para transformar-se em residência comum. Mobília, material ritualístico, imagens e demais utensílios usados nas Giras foram jogados ao mar, na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro.

Divorciada e vivendo modestamente, Mãe Leonor não se desesperou com a situação. Sofreu resignada e em silêncio todas as adversidades que lhe sobrevieram. Apesar de tão grande desgosto, procurava manter vivo um sorriso nos lábios. Sua integridade não sofreu abalo. Sua visão prática da vida a mantinha sóbria e totalmente lúcida. Mesmo depois da morte súbita do ex-marido, Mãe Leonor, ou Nonô – como era chamada pelos amigos e parentes -, permanecia com a cabeça levantada e não entregava os pontos.
Nascida em 18 de dezembro de 1928, Leonor Maria Gomes Marques gozou os remanescentes dias de sua vida ao lado dos netos e bisnetos, seus últimos e maiores bens que possuía na terra. Os médicos diagnosticaram, após vários exames, que Nonô sofria de “coração grande”, ou na linguagem científica, cardiomegalia, que causa o crescimento do tamanho do coração em proporções anormais. A descoberta do problema provocou sua internação repentina para uma possível cirurgia.
Internada num hospital de Cachoeiro do Itapemirim, cidade natal de Roberto Carlos, o cantor por quem nutria a maior admiração, Nonô pediu que irmãs e sobrinhos fossem visitá-la antes da cirurgia a que ia se submeter. Sorrindo, como sempre, abraçou a todos os que a visitaram, dando palavras de conforto e carinho. Entretanto, o Enorme Coração de Mãe Nonô não resistiu à cirurgia e, finalmente, no dia 14de julho de 2007, faleceu aos setenta e oito anos de idade, deixando saudades e pesares de parentes, amigos e filhos de terreiro que tiveram o privilégio e a honra de conviverem com tão doce criatura.

6 de julho de 2010

A Umbanda em Guarapari: A História de Anna


A decada de 50 foi marcante para todo o municipio de Guarapari em varios sentidos. Grande parte da explosao imobiliaria teve inicio nesse periodo, a partir da construçao da ponte Jones dos Santos Neves e do Radium Hotel.
A ponte serviu como ligaçao da cidade aos Municipios de Vila Velha e Vitoria; ja´ o Radium Hotel, construido muito proximo `a Praia da Areia Preta, tornou-se referencia em todo o Estado.
As areias monaziticas, cujas propriedades terapeuticas deram o titulo de Cidade Saude `a Guarapari, foram enormemente divulgadas como uma forma de chamariz a turistas de varias partes do Brasil.
No centro da cidade varios hoteis foram construidos, como os extintos Guara´ Hotel, Thorium Hotel e Hotel Vieira.
A Umbanda tambem sofreu uma grande expansao no mesmo instante em que a cidade crescia rapidamente. Foi a partir da segunda metade dos anos 50 que a religiao umbandista passou a ser conhecida dos moradores e, em varios lugares, mediuns abriram as portas de suas casas para receberem pessoas necessitadas de socorro espiritual. Aqui e ali, timidamente, homens e mulheres corajosos enfrentaram preconceitos e discriminaçoes para ajudar os irmaos que os procuravam em busca de ajuda.
Num daqueles extintos hoteis uma pequena sala anexa serviu de consultorio espiritual e ponto de partida para diversos mediuns que ate´ entao desconheciam seus dons. La´ naquela saleta uma respeitosa senhora chamada Maria atendia muitas pessoas carentes de ajuda e conselhos espirituais.
No Guara´ Hotel, uma Entidade Espiritual chamada Pai Joao aplicava rezas, dava conselhos e curava enfermos atraves de Dona Maria.

Muitos que mais tarde iriam dar grande propulsao `a Umbanda buscaram ajuda na mediunidade de Dona Maria do Hotel Guara´.
Conforme testumunho de pessoas que viveram naquela epoca, Dona Maria era uma senhora negra, muito seria e respeitada, que atendia gratuitamente as pessoas desenganadas por medicos e os desesperados da cidade. Tambem nao fazia alarde de sua mediunidade, mas procurava agir de maneira discreta para nao causar rebuliço entre os moradores, pois todos os que naquela epoca se envolviam com os Espiritos eram mal vistos e tachados de feiticeiros e macumbeiros.
Mas, Dona Maria nao se intimidava com os disse-me-disse e continuava atendendo as pessoas em sua salinha que ficava anexa ao Hotel Guara.
Foi num desses atendimentos particulares que a Dona Maria recebeu a visita de uma jovem senhora assustada chamada Anna Castro Martins.
Anna Castro Martins, mulher simples nascida no dia 11 de outubro de 1920, em Guarapari, foi criada em lar de familia muito catolica, ligada a missas e procissoes. Casada com Othon Martins, que foi delegado da cidade por um tempo, viu-se de repente `as voltas com estranhos acontecimentos que a deixaram preocupada e muito ansiosa. Diante de filhos e parentes mais proximos, Anna Castro era acometida por varias vezes de repentinos desmaios. Anna tambem começou a sofrer alucinaçoes de diversas ordens, o que provocou sustos e medo em todos. Levada perante medicos especialistas, nao obteve respostas aos problemas pelos quais estava passando.

Na epoca, cogitou-se a possibilidade de interna´-la em clinica especializada para tratamento, pois acreditavam que Anna estava sofrendo de algum mal psiquico.
Entretanto, nao era esse o destino que a Espiritualidade estava reservando para Anna Castro Martins.

Aconselhada por um medico que analisou sua situaçao e concluiu que os problemas eram de natureza espiritual, Anna foi ao Guara´ Hotel conversar com a medium Maria. Na consulta com o Pai Joao, Preto Velho que incorporava em Dona Maria, ficou claramente confirmado o diagnostico do medico e, para surpresa de Anna, descobriu-se que ela tambem tinha um dom mediunico que carecia de desenvolvimento e educaçao.
Por essa ocasiao, Anna Castro Martins alimentou uma rotina diaria de escutar o programa espiritualista de Alziro Zarur atraves de um velho radio `a valvula. Ritualisticamente, no mesmo horario, diariamente Anna Castro colocava um copo com agua sobre a mesa e apos as oraçoes proferidas por Alziro Zarur, bebia da agua fluidificada. Anna acreditava que todos os problemas pelos quais estava passando iriam ser resolvidos.
Logo apos os primeiros contatos com o Pai Joao, Anna iniciou uma trajetoria de desenvolvimento mediunico comparecendo `as reunioes realizadas na casa de uma mulher conhecida pela alcunha de Dona Cinenga que residia em Iguape, interior de Guarapari, `as margens da BR-101.
Em pouco tempo, aquilo que era apenas um diagnostico medico, assumiu um carater missionario. Logo, Anna recebeu as primeiras vibraçoes de Entidades que a acompanhavam e que tinham um projeto para ela.
Certo dia, finalmente, um Espirito manifestou-se atraves da telefonista da cidade e identificou-se com o nome de Caboclo Sucupira.

A partir de entao, as orientaçoes acerca do que Anna Castro Martins deveria fazer passaram a ser ministradas pela Entidade. Dai´ em diante, Anna iniciou um trabalho de assistencia espiritual atendendo em sua casa ou onde surgisse alguma necessidade imediata. Assim, o Caboclo Sucupira e o Preto Velho Pai Sabino, Entidades que se manifestavam atraves da mediunidade de Anna, lançaram as primeiras sementes do centro umbandista que iria ser conhecido na cidade como Terreiro Santo Antonio de Padua.
Atendendo de casa em casa, Anna socorria pessoas aflitas e auxiliava-as no trato de suas enfermidades fisicas e espirituais. O marido Othon Martins a acompanhava e dava-lhe o apoio necessario no cumprimento da missao.
Anna e mais um grupo de simpatizantes da Umbanda organizavam verdadeiras caravanas ate´ o bairro Lameirao, onde residia o capataz de uma fazenda chamado Senhor Pimentel. Muitos dos que seguiriam no trabalho caritativo da Sagrada Umbanda entravam nessas caravanas e participavam das sessoes realizadas nas casas de Dona Cinenga, em Iguape, e do Sr. Pimentel, no Lameirao.
Uma outra mulher, chamada Maria Jose´ Coutinho, amiga de Anna, e que recentemente havia sido curada de um mal fisico por um Caboclo em Vitoria, Capital, convidou a medium para realizar sessoes em sua residencia no bairro Ipiranga. Simples, Anna aceitou o convite e o Caboclo Sucupira passou a ser querido e amado por mais simpatizantes da Religiao de Umbanda. Mais tarde, essas sessoes na casa da professora Maria Jose´ Coutinho resultaram em grande avanço para a Umbanda em Guarapari.
A erraticidade dos trabalhos de Anna Castro Martins acabou sendo notoria na cidade. Nao tendo um terreiro constituido para os trabalhos espirituais, as visitas e as sessoes em casas de amigos eram constantes. Certa vez abriu gira ate´ mesmo na Sede da banda marcial que havia em Guarapari, a Lyra de Ouro Guaraquiçaba.

Mas, as portas dos ceus se abriram para Anna Castro e um terreno foi cedido para que ela abrisse o terreiro de Umbanda e, assim, o Caboclo Sucupira recebeu um local para trabalhar de forma mais confortavel. Na rua Getulio Vargas, no Centro da cidade, foram levantadas as paredes de um pequeno centro de Umbanda cujo nome foi definido pelo proprio Caboclo Sucupira, o Centro Espirita Santo Antonio de Padua. O templo era uma construçao de pequeno tamanho, sem muitos atrativos, mas que abrigava o calor humano irradiado por Anna e as benecies transmitidas pelo Caboclo Sucupira.
Os anos se passaram e a corrente de mediuns foi aumentado devagarinho.
Durante alguns anos, Anna trabalhou naquele pequeno Centro, satisfeita com o que tinha recebido da Espiritualidade.
Festas em homenagem a Santo Antonio de Padua, Cosme e Damiao e Sao Jorge foram realizadas naquele terreirinho humilde, cujo piso era coberto de areia da praia.
Foi naquele terreiro que muitos mediuns iniciaram sua jornada na Religiao de Umbanda em Guarapari, tendo entre eles alguns ja´ conhecidos na comunidade umbandista como o senhor Huascar Correa Cruz, fundador do Centro de Irradiaçao Espiritual do Himalaia.
Um outro medium que logo ia se tornar peça importante para o Centro Espirita Santo Antonio de Padua tambem deu os primeiros passos nas Giras chefiadas pelo Caboclo Sucupira.

Antonio Joao Ribeiro ainda era garoto quando começou a frequentar as sessoes que eram realizadas na Rua Getulio Vargas. Sempre conduzido por sua mae, Dona Balbina, Antonio Joao participava das Giras como um simples ouvinte, tomava passes com os Guias e se mostrava interessado nas coisas que aconteciam no terreiro. Ate´ que, ao se tornar adulto, resolveu entrar para a corrente espiritual decidindo-se por ser um obreiro da Seara de Jesus no dia de Sao Jorge, em 1968.
Contudo, o crescente crescimento de Guarapari e o progresso imobiliario da cidade obrigaram o Centro Espirita Santo Antonio de Padua a se retirar do terreno cedido para a construçao do terreiro.
Entre lagrimas, Anna recolheu todas as coisas de dentro do templo e viu o fruto de longo trabalho na caridade ser destruido pelas maquinas escavadeiras. A Mae de Santo fechou-se em sua residencia como se esta fosse uma concha.
Apesar de nao possuir mais o terreiro, Anna Castro nao parou com a obra de caridade. Durante todo o ano, recolhia doaçoes de cobertores e roupas de frio e levava para os prisioneiros da delegacia de Guarapari e aos moradores do Lameirao - onde durante muitos anos funcionou um enorme deposito de lixo a ceu aberto. De vez em quando, um ou outro necessitado batia-lhe `a porta em busca de ajuda espiritual. Anna nao conseguia negar e atendia um, depois outro, e mais outros; ate´ que sua casa passou a ser constantemente procurada pelos Espiritos aflitos.
Edson Castro Martins, um dos filhos de Anna, comoveu-se com a angustia da umbandista por querer atender melhor os filhos de Umbanda e as pessoas que a procuravam. Tomou entao a iniciativa de conversar com os irmaos mais velhos e, num gesto que foi essencial para o Centro Santo Antonio de Padua, levantou as paredes de um minusculo terreiro na propriedade da familia, no Centro da cidade, bem perto dos Correios.
Ja´ no novo Terreirinho, Anna continuou empunhando a bandeira da Sagrada Umbanda e militando pela religiao, tendo sempre ao seu lado o Caboclo Sucupira, o Vovo Sabino, Joaozinho, a cigana Sarita e o Exu Sete Encruzilhadas.

Acompanhavam tambem os trabalhos de Anna, o medium Antonio Joao Ribeiro e outros que conheceram a açao do Caboclo Sucupira no passado.
Sempre obedecendo ao que o Caboclo Sucupira havia determinado sobre o uso de atabaques, Anna continuou praticando o mesmo ritual simples e preparando aquele que viria a ser o continuador de sua obra em Guarapari.
Em 1985, o Centro Santo Antonio de Padua finalmente tem seu registro oficializado junto `a Federaçao Espirita do Brasil, atraves do S'CEABRA , cuja sede ficava na Av Jeronimo Monteiro, em Vitoria.
Antonio Joao Ribeiro foi, aos poucos, preparado para a missao que o Caboclo Flecha Dourada havia de realizar no Centro Santo Antonio de Padua. Atraves do Caboclo Sucupira, o medium Antonio Joao recebeu as instruçoes para prosseguir a empreitada iniciada por Anna.
Ja´ antevendo sua partida para o Mundo Maior, Anna abria os trabalhos no Centro mas deixava o comando da Gira por conta do Caboclo Flecha Dourada, sucessor do Caboclo Sucupira. Assim, em conjunto, os dois Guias abriam trabalhos, realizavam obrigaçoes nas matas, nas cachoeiras e nas praias em rituais que exaltavam a simplicidade e a seriedade.
Cansada devido a problemas coronarios, Anna nao mais participava dos trabalhos da mesma forma como fazia anteriormente. As sessoes sempre eram iniciadas pelo Caboclo Sucupira, mas prosseguidas pelo Caboclo Flecha Dourada, atraves de Antonio Joao. E assim continuaram ate´ que na sexta-feira do dia 27 de julho de 1991, apos uma Gira dedicada os irmaos Exus, o coraçao de Anna Castro Martins interrompeu sua trajetoria carnal na Terra.

Simples como sempre foi, assim tambem foi a partida de Anna para o Mundo Maior. Sentada em sua sala de estar, em descanso, Anna fechou definitivamente os olhos da carne num desencarne sem dores ou enfermidades prolongadas.
Othon Martins, marido de Anna, permaneceu com o Conga´ aberto ate´ o dia do seu falecimento em setembro de 1999. Inevitavelmente, o local onde estava instalado o Centro Santo Antonio de Padua, entrou em questoes de partilha de herdeiros e precisou ser fechado.

Desta vez, o trabalho de conduzir os mediuns a realizar sessoes de porta em porta ficou aos cuidados de Antonio Joao. Semelhante ao que Anna Castro fazia, Antonio abria sessoes onde era permitido. Hora na casa de um medium, hora na casa de um simpatizante.
No ano de 2000, uma medium do Centro chamada Maria do Amparo abriu as portas de sua casa para fixar ali o Conga´ do Santo Antonio de Padua, num lugar bem proximo de onde fora instalado o Centro de Irradiaçao Espiritual do Himalaia. Durante 12 meses seguidos, o Caboclo Flecha Dourada e demais Espiritos que baixavam no Centro realizaram a caridade na residencia que a Dona Amparo cedeu gratuitamente. Mas, em agosto de 2001, uma nova diretoria foi composta pelos membros do Centro com a proposta de levantar um Terreiro de Umbanda para que os mediuns e os visitantes, muito poucos naquela fase, pudessem professar sua fe´.

Mais uma vez, Edson Castro Martins cedeu uma construçao abandonada, um esqueleto que se erguia num terreno de sua propriedade no bairro Parque Areia Preta, para instalaçao do Centro. Em setembro do mesmo ano, teve inicio a obra de aproveitamento do esqueleto e construçao do Terreiro `a base de doaçoes de material e mao-de-obra.
E, finalmente, no dia 08 de dezembro de 2001, foi inaugurado oficialmente o Centro de Umbanda que recebeu a partir de entao o nome fantasia de Casa de Caridade Santo Antonio de Padua, `a rua Cecilia B Santana, 144, no Parque Areia Preta. A nova politica administrativa estabelecida definiu os caminhos de expansao, crescimento e organizaçao da Casa que desagradou a alguns mediuns mas que foi aprovada pela maioria. Desde entao, a Casa de Caridade passou por varias reformas e ampliaçoes devido ao crescente numero de visitantes.
O Caboclo Flecha Dourada continuou realizando a obra iniciada pelo Caboclo Sucupira, sempre pautado na simplicidade do ritual, na caridade absolutamente gratuita e na seriedade do corpo mediunico.
 
Atual Congá da Casa de Caridade Santo Antônio de Pádua.

1 de junho de 2010

A Umbanda em Guarapari: A História de Huascar

Guarapari, pequena cidade litoranea situada `as margens do Oceano Atlantico, no Estado do Espirito Santo, tem nas areias monaziticas seu atrativo para turistas que procuram tratamento para reumatismos. Atualmente, em 2008, possui pouco mais de 110.000 habitantes, mas no verao este numero atinge cerca de 300.000 pessoas. Sao turistas oriundos de diversas partes do Brasil e do exterior que buscam nas chamadas areias pretas, a cura para seus problemas de saude. Devido a isto, recebeu a alcunha de Cidade Saude.
Guarapari, desde o inicio do seculo XX vem recebendo muitos turistas que saem do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Sao Paulo para visitar suas praias mais famosas, tais como a Praia da Areia Preta, Praia das Castanheiras e Praia do Morro. Muitos deles chegam a fixar residencia permanente ou adquirem algum imovel para garantir sua estadia nas temporadas de maior fluxo, como no verao e nas ferias de julho.
Guarapari, assim como Anchieta, foi palco do trabalho evangelizador de Padre Jose Anchieta, na epoca da colonizaçao do Brasil. Como a cidade fica na rota de acesso entre Anchieta e Vila Velha, antiga capital do Estado do Espirito Santo, inevitavelmente o padre passava pela Vila de Guaraparim e ensinava os preceitos catolicos aos indigenas.
Ate 1950, o acesso ao centro da cidade so´ era possivel atraves de balsa, pois ainda nao havia ponte. A partir da construçao da ponte de Guarapari, a cidade passou a receber maior quantidade de turistas e o trajeto ate Anchieta foi usado com mais frequencia.
Sendo uma cidade tipicamente catolica - com excessao de uns poucos protestantes batistas e luteranos - a populaçao do inicio do seculo nao via com bons olhos a chegada de uma nova crença que envolvia o contato com os seres espirituais. A Umbanda foi chegando de forma vagarosa na cidade e os mediuns que abraçaram a Novel Religiao nao podiam se expor, tamanha era a discriminaçao que sofriam.
As primeiras noticias sobre a chegada da Umbanda em Guarapari reporta-nos `a decada de 30, quando entao uma pessoa muito conhecida da cidade desempenhou papel importante na divulgaçao e na expansao da fe´ umbandista.

Huascar Correa Cruz, contava com quinze anos de idade quando iniciou os primeiros passos na senda do eminente ritual espiritual que no Rio de Janeiro foi denominado de Umbanda. Ate´ entao, o jovem adolescente havia sido criado debaixo de todos os dogmas catolicos. Aos 10 anos de idade ja´ era Coroinha da Igreja de Sao Pedro, em Cachoeiro do Itapemirim-ES. Ainda em tenra idade começou a nutrir um desejo pio de tornar-se Sacerdote da Igreja. Porem foi rechaçado e impedido de ingressar nos estudos, quando da entrevista com os clerigos responsaveis pela matricula de novos alunos no seminario. Suas ideias e seus questionamentos, avançados para a epoca, causaram rebuliço e um deles comentou inclusive: "Este menino tem um pensamento que vai acabar dando trabalho..."
Depois disso, Huascar entrou numa especie de ostracismo espiritual - segundo suas palavras - que o deixou muito desanimado e desiludido. Contudo, os Espiritos tinham outra missao para o jovem rapaz.
Certo dia, com quinze anos de idade, foi levado por um amigo a uma pequena casa de estuque e cobertura de palha, na cidade de Vila Velha-ES. Naquela choupana as pessoas recebiam uns Espiritos que diziam ser de caboclos brasileiros e velhos escravos. Huascar foi `a sessao e passou a observar o que acontecia.
O rapaz, espantado com a visao, ouviu atento `a preleçao do "Caboclo" e fitou os olhos num homem sentado num banquinho e fumando um cachimbo. Era um Preto Velho que viu o rapaz e diriu-lhe a palavra:
" - Sunce ta´ mangando de Preto Velho, mi zinfio?"
Ao que respondeu:
" - Nao, Preto Velho."
O Preto Velho retrucou:
" - Ta´, sim. Preto Velho vai lhe dar uma liçao."
Terminada a sessao, Huascar despediu-se do amigo e foi embora para casa. No caminho, proximo a uma esquina, avistou um vulto que o fez ficar arrepiado. Quanto mais se aproximava, mais os cabelos de sua nuca eriçavam. Ao chegar em frente ao vulto, visualizou um velho negro que lhe perguntou:
" - Sunce ta´ lembrando de Preto Velho, mi zinfio?"
O rapaz reconheceu a voz da Entidade que havia conversado com ele horas antes e, assustado com o fato, saiu em disparada sem olhar para tras.
O encontro inusitado com a Entidade porem despertou-lhe a curiosidade e o interesse em buscar mais informaçoes sobre aquele Ritual da pequena choupana e, assim, passou a ser um estudioso da Doutrina dos Espiritos e da nova religiao chamada Umbanda. Tornou-se um frequentador das reunioes espiritas que ocorriam num Centro de Espiritismo em Vila Velha e na choupana do Preto Velho.
Logo tornou-se um membro da corrente espiritual e, em pouco tempo, ja´ estava servindo de aparelho para uma Preta Velha que descia no terreiro e se utilizava de suas faculdades mediunicas.
Huascar Correa Cruz, iniciou entao um processo de estudos da Doutrina Espirita e dedicou grande parte deles `a leitura e analise d'O Livro dos Espiritos, d'O Evangelho Segundo o Espiritismo e d'O Livro dos Mediuns, de autoria de Allan Kardec.
Adquiriu tambem um livro raro chamado O Evangelho de Umbanda, o que lhe deu os conhecimentos necessarios para o trabalho que deveria realizar em prol da Umbanda.
Huascar Correa Cruz tornou-se, em pouco tempo, um valoroso trabalhador da Seara de Umbanda Sagrada. Desde o primeiro encontro, em 1931, com o Preto Velho que mudou sua maneira de ver a Espiritualidade, pesquisava as coisas do Mundo Espiritual e procurava aplicar em seu dia-a-dia.
Certa vez, ja´ nos idos de 1938, foi visitar a casa de um homem que dizia estar "incorporado" com uma Entidade e que cobrava mil reis por cada consulta realizada. Antes porem, todos os interessados deveriam pagar o direito de entrada, que custava na epoca, dois mil reis.
Huascar cumpriu o protocolo e entrou no recinto. Ao encontrar-se com o homem supostamente mediunizado, encheu-se de autoridade e determinou que ele parasse com aquela pantomima, ja´ que tudo nao passava de uma pura e ingenua mistificaçao. Condenou-o tambem por nao cumprir as ordenanças da Espiritualidade que nao aceita o pagamento pela prestaçao da caridade. A confusao foi instalada no lugar e o homem acabou por fechar o consultorio.
Envolvido com a Espiritualidade e comprometido com a divulgaçao e expansao da nova religiao, Huascar fundou o Primeiro Centro de Umbanda em Guarapari, chamado Centro de Irradiaçao Espiritual do Himalaia. O Centro ficava no alto de uma pedra, na entrada da Cidade, onde hoje esta localizada a cabeceira da ponte de acesso ao Centro do Municipio.
Abastado, Huascar ergueu um muro de arrimo na encosta da pedra e ali levantou as paredes do Centro de Umbanda que serviu de inspiraçao para tantos outros que seriam construidos a seguir. Estava lançada assim, a Pedra Fundamental da Umbanda em Guarapari.
Apesar de todo o esforço empreendido em favor da Religiao, Huascar viu seu trabalho sofrer uma grande perda quando, por volta de 1950, o processo de desenvolvimento urbano de Guarapari forçou-o a ceder o local onde estava instalado o Centro de Irradiaçao Espiritual do Himalaia para instalaçao da cabeceira da Ponte que ia ligar o bairro de Muquiçaba ao Centro da cidade. E, desta forma, aconteceu o inevitavel. O primeiro templo umbandista foi derrubado para que o progresso atingisse o Municipio. Foi por essa ocasiao que o Sr. Huascar teve o primeiro encontro com uma outra via espiritual que o deixou deveras encantado.
Em 1953, numa viagem que fazia a Belo Horizonte, conheceu o Mestre Sevananda (leia-se Sevanhanda) que naquela epoca era Patriarca da Igreja Expectante. A admiraçao que sentiu foi tao grande que decidiu conhecer mais a fundo a doutrina da igreja e sua filosofia. Em 54 visitou o Monasterio AMO PAX, e adquiriu novos conhecimentos espirituais e esotericos.
Mesmo encantado com a Igreja Expectante, Huascar nao abandonou de imediato a Umbanda, mas continuou a militar dando passagem `as Entidades, trabalhando e realizando palestras em terreiros de Guarapari. Fez questao de denunciar os abusos cometidos em nome da Religiao tais como a comercializaçao dos dons mediunicos, a mistura exagerada com os ritos de outras crenças e a falta de postura de certos mediuns que se diziam estar incorporados pelos Guias. Observando o que acontecia com as casas de Umbanda que adotavam o uso de atabaques e outras ritualisticas africanistas, criou o termo pejorativo "Umbandomble´". Porem, em 1970, Huascar Correa Cruz tornou-se Patriarca da Igreja Expectante logo apos o falecimento de seu Mestre Sevananda, encerrando definitivamente sua passagem pela Umbanda Sagrada.